quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Si-Dó.

Então a música conseguiu ser tão perfeita que com a mesma intensidade que foi cantada, ela também foi sentida. E inflamou. Inflou o coração de tal forma que nem se quer cabível se tornou o sentimento que ela havia trago. E da mesma forma que ela trouxe palavras tão distintas, moveu pessoas, sentimentos, criou caminhos, trechos de rodovias que em um provável dia se cruzariam.
E que por vias duplas, hoje fez caminhar notas duplas, de dois pés cada. Que vão em cada linha do meu caderno de brochura, e que por improviso, fizeram um soneto, mais tarde uma música, ambos de amor. Notas que formaram a escala que levava a algum lugar, e certamente não sei onde era. E porquanto não quero saber.
E mesmo que na subida dos degraus dessa escala, esses pés doam, eles se doam, acima de tudo. Passaram de Dó à Fé (com som de Fá). Até que chegam ao Sol, já que ele não havia se posto sustenido a vista.
Seguiram o caminho de tablaturas numéricas, tão confusas quanto suas infinitas dúvidas, quanto aos sentimentos e ao que eram. Seguiram um caminho de teclas amareladas, com acidentes pelo caminho. Percorreram estradas e trilhos de puro aço e nylon, com sopros de vento 'flautíveis', ouvíveis que começavam não sei onde e levavam sabe Lá a que. E seguiam, com a única certeza de que depois do duro caminho, um era do outro. Sem interferência, sem acidentes ou problemas, juntos. O que bastava. E que em poucos passos Si foram, ao arpejo perfeito.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Poema do vazio.

Tu chegas sem aviso, sem hora nem lugar,
me inunda e me deixa um vazio
Me sinto fraco, mal posso explicar.

Tu me preenches, mas ao mesmo tempo me incompleta
me deixa frio, ranzinza, ninguém me tolera.

De manhã, a tarde e a noite, permanece aqui
mas tua presença me confunde, como podes existir?

Talvez tu não mereças o que escrevo por ti.
mas sem ti, talvez morto estivesse aqui.

Depois deste (des)afeto, devo dizer seu nome
para ti fiz este poema, minha querida fome.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Meia carta de rebeldia

Acho que se tivesse contado isso antes, o mundo me acharia idiota, se não achou desde sempre.
Eu tinha apenas dezessete anos. Havia dado 6h45 e minha malas já estavam prontas. Sete horas saí. Talvez não fosse o melhor dia para uma viagem, ainda mais quando esta, era sem rumo. Mas saí, até por que aquela hora ninguém ouviria o barulho do portão.
Coloquei no carro uma mala,  uma bolsa de lado, no bolso de fora da mala levei uma cartela de cigarro, alguns chicletes e um velho mapa da cidade, no compartimento do lado havia uma carteira de identidade falsa, que eu havia feito há uns 2 anos atrás, que pela minhas contas, a partir da minha saída, eu passaria a ter 20 anos completos. E não havia nada para desconfiar, até porque meu cabelo tom verde musgo, e minhas três tatuagens me faziam parecer pouco mais velha do que eu era, como um tipo de adulta que se achava "a adolescente", quando era o contrário. Ótimo.
Já que minha vida dali em diante seria diferente, precisei agir como tal. Parando no posto de gasolina, abasteci. Rapidamente fui ao porta malas e peguei meu salto, que por sinal deveria ter uns 15 centímetros. Cambaleei. Mas de que importava meus passos adiante de salto, porque não doeria mesmo. Todos os passos que eu já havia dado em minha vida, eu deixava dor, então um mindinho apertado não faria muita diferença. Então cicatrizei-me.
Na beira da estrada, senti que o sol escaldava-me, rapidamente, arranquei aquela bendita calça e botei uma saia. Precisava de ar. E veio. O vento soprava naquele dia, a brisa era boa e me dava forças para o resto do dia.
Durante o caminho, encontrei gente estranha, gente que recordava minha família, então lembrei que àquela altura minha mãe já tinha acordado há muito tempo, e ela deveria ter me matado em pensamentos. "Tudo bem", pensei, "ainda me restam seis vidas".
Passados dias de maus bocados, lembrei que havia guardado um segredo precioso (mentiras) que talvez eu fosse precisar. Logo lembrei-me também de alguém, era um garoto que tinha seus quase 18, entraria faculdade e como minha vó diria: "ele era um pão". Fofo demais (não o merecia). Até por isso, o troquei por um baterista de 21 anos.
[...]

 Havia enjoado da minha vida antiga, como enjoei desta baboseira de carta. Desculpem qualquer coisa. Outro dia termino, até porque preciso abastecer, não digo só o carro, mas meu bolso com mentiras e histórias. Você me encontra:

Em "um outro dia, um outro lugar"
 Localizado na zona de perigo de São Paulo.
 
ASSINADO: Para os conhecidos Ana Paula.
Agora, prazer,
Natacha.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

O calor me lembra gente chata.


 
Gente pegajosa, que abraça, aperta,
Que quer saber cada passo e respiro meu.
Gente que irrita da cabeça aos pés.
Que sabe o infortúnio que me tira a paz,
Gente que um dia eu amei e nem volta mais.
Gente que no calor me era sorvete
Mas que hoje passa longe de ser inverno
e faz calor feito inferno.
E inferniza, mas estabiliza(va), devo admitir.
Gente que não me lembra só calor, mas cheira a verão
e querendo ou não, era um cheiro bom.
Gente que como o calor atraía ferida de pernilongos,
Que trazia bichinhos de luz, na minha noite em claro.
Gente que me lembrava queimadura de 3º grau.
Que me lembra o abafado calor de São Paulo
Que como a cidade, é cinza, é quadrado,
tão chato, que nem quero lembrar..
E que como calor e sol, o escondi em inverno e nuvens.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Eu vejo suas asas

OBSERVAÇÃO: Qualquer semelhança a realidade é puro desvario. Obrigada.

Rafael era um violeiro. Ele me lembrava um anjo, assim como sua voz. Seus cabelos eram claros e seus olhos serenos. Sim, tenho quase certeza, ele era um anjo. Certa vez, encontrei-o em baixo de uma árvore e de longe o ouvi tocar. Era um som tão maravilhoso que não contentei-me em escutar ao longe, logo fui fisgada por aquela melodia e escondi-me atrás de um arbusto. Ele parou de tocar, olhou para o chão e sorriu, logo percebi que ele tinha me visto. Ele olhou em minha direção e disse: eu sei que é você". Corei.
Aproxime-se, ele disse e continuou:

- Não sei se já disseram, mas você tem lindas asas sabia?
- Asas? disse eu.
- Uma vez me disseram que todos tem asas, asas que são invisíveis - disse Rafael ao sorrir para mim - asas são como a força do coração de uma pessoa, a coragem e assim por diante. O tamanho, a cor e a forma são diferentes.
 
Eu nunca havia imaginado daquela forma, pensei que asas eram coisas de histórias, ou simplesmente de algum livro como a Bíblia, mas depois de ouvir aquilo, eu sabia que elas existiam, por que Rafael as tinha. Me silenciei e ele prosseguiu.
- Todos tem asas. As suas são calorosas e bonitas.
Logo me adiantei dizendo: "Como são as suas asas Rafael? Elas devem ser muito grandes".
Erro meu foi perguntar, ou acerto, não sei. A resposta não era muito agradável.
Minha asa está quebrada - disse ele - Mas eu canto.
Na minha ingenuidade infantil eu disse: "Mas não doi?"
Ele riu, lembrando-se que além de compreensiva, eu era apenas uma criança de 12 anos. Voltou ao tom sério contou-me. "Doi as vezes, mas que eu prefiro não sentir, por isso eu canto.
A música era sua cura, ou pelo menos anestesia, já que era momentânea. E eu ouvia cada palavra atentamente.
O violeiro, parou e ficou a me observar e caindo em riso novamente disse: Não se preocupe, ficará tudo bem... Mas gostaria de pedir um favor a você, posso? Claro, disse eu.
 "Cuide de suas asas, por favor?"
Eu achava que estava ficando louca. Foi então que ele voltou a dedilhar e com aquele sol no rosto, fechou os olhos e voltou a sua música. E acrescentou, "cuide delas, por favor, não as quebre, nem deixe que ninguém roube a beleza que elas têm".
Eu fiz que sim com a cabeça, meio confusa. Mas hoje eu entendo.

Aquela foi a última vez que o vi.

(Baseado em Rafael, personagem fictício de Nadja).